01 de Agosto, 2025

Tarefa de Casa na Alfabetização: Fortalecendo Vínculos e Autonomia

Por Miguel Franco

Tarefa de Casa

Alfabetização

A pergunta que não quer calar: pra que serve a tarefa de casa?

Essa é uma pergunta que acompanha muitos educadores ao longo da carreira. Afinal, por que mesmo mandamos lição?

É fácil cair no automático e propor atividades mecânicas, que apenas repetem o que já foi feito em sala. Mas professores atentos percebem: quando a tarefa tem intenção, ela vira uma ferramenta poderosa. Ajuda o estudante a reorganizar o que aprendeu, contar com o apoio da família sem se sentir dependente e, principalmente, a se perceber protagonista do próprio processo de aprendizagem.

E tem mais: tarefas bem pensadas também contribuem para desenvolver algo fundamental — a autonomia. Organizar o tempo, lembrar de entregar, encontrar soluções por conta própria, aprender a pesquisar, refazer algo que não deu certo... tudo isso faz parte do processo. E quanto mais cedo a criança experimenta esse movimento, mais segura se sente diante dos desafios que virão.

Ensinar um aluno a ser autônomo não é deixá-lo sozinho, é mostrar que ele pode confiar em si. É dar condições para que ele desenvolva responsabilidade, concentração e autorregulação, ainda que aos poucos, no seu tempo.


Quando a escuta vira estratégia

Não são poucas as vezes em que uma professora experiente para para escutar seus alunos — e se surpreende. Em conversas informais, muitos deles revelam o que mais gostam nas tarefas: criar, interagir, mexer com as mãos, usar o corpo, perguntar, brincar.

Não se trata apenas de “fazer”, mas de viver a atividade. Propostas como montar maquetes, entrevistar familiares, pesquisar sobre a história do bairro, gravar vídeos com a família ou preparar um prato típico ganham o coração da turma. E, veja bem, tudo isso pode estar a serviço da leitura, da escrita, da escuta e da fala — pilares da alfabetização.


A família como parceira (e não fiscal)

Professores experientes sabem: a família pode ser uma grande aliada — desde que se sinta acolhida. Não adianta esperar que todos saibam exatamente como ajudar. Às vezes, um bilhete bem escrito, uma “janela de conversa” dentro da tarefa ou uma orientação com afeto fazem toda a diferença.

Uma mãe certa vez comentou que, apesar de ser desafiador acompanhar a lição, ela passou a enxergar a evolução da filha justamente por estar ali, ao lado, observando o processo. E é isso mesmo: as tarefas que funcionam são aquelas que convocam o adulto a participar, mas com leveza. Sem pressão, sem culpa, sem respostas prontas.


Pequenos gestos que fazem grandes diferenças

Algumas práticas que nasceram na pandemia acabaram ficando — como as orientações personalizadas dentro das tarefas, pensadas não só para os alunos, mas também para os familiares que os acompanham. Esse tipo de cuidado transforma a lição em algo mais acessível e produtivo.

Veja um exemplo:

Em vez de simplesmente pedir “Copie os nomes dos doces da lista abaixo”, a proposta pode vir assim:

Proposta: Copie no caderno apenas os nomes das comidas doces da lista.

Lista:
milho cozido
torta de frango
pé de moleque
pastel
canjica
pipoca salgada
bolo
cuscuz doce
cocada
arroz doce
cachorro-quente

Orientação ao estudante e à família:

“Peça para um familiar ler a lista completa em voz alta, sem apontar com o dedo. Depois, pense com calma: quais dessas comidas são doces? Lembre-se de usar as pistas que aprendeu em sala:
– O nome tem relação com o sabor?
– Você consegue identificar a letra inicial da palavra ao ouvi-la?
– Lembra de alguma dessas comidas de festas juninas?

Agora, tente localizar na lista o nome completo da comida. Leia com seu familiar, confirme se acertou e só depois copie no caderno.”

Por que isso faz diferença?

Porque a criança escuta, interpreta, decide e só então executa. Isso fortalece a compreensão, o raciocínio, a confiança e a autonomia — tudo de forma leve, significativa e com apoio respeitoso da família.


A tecnologia também cabe!

Sim, a tecnologia pode — e deve — entrar na brincadeira. Propor a gravação de vídeos lendo um poema em família, fazer um minidocumentário caseiro sobre o livro preferido, ou apenas mandar uma foto da atividade feita com orgulho no sofá de casa.

Essas propostas não substituem o lápis e o caderno — mas ampliam possibilidades. Conectam gerações, dão protagonismo à criança e mostram que aprender também pode ser divertido.


O que fica, no fim das contas?

Ao longo dos anos, um professor experiente aprende que o mais importante não é a tarefa entregue, mas o processo vivido por trás dela.

Se teve escuta, se teve dúvida e tentativa — então valeu a pena. Porque, no fundo, é isso que marca: a criança se sentindo capaz, a família se sentindo parte e o professor com o coração aquecido por ver a aprendizagem florescer fora dos muros da escola.

"A tarefa essencial do educador é ensinar a pensar, e não apenas transmitir o pensamento."
Ernst Papanek

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